APDES na Primeira Pessoa: Rafaela Cardão

O Projeto Tulitati (Programa de sensibilização comunitária para o VIH/SIDA) tem como objetivo capacitar agentes comunitários para a intervenção na área do VIH/SIDA.
No Cuito do Tulitati não há dias típicos ou comuns…
Numa terça-feira de manhã, tanto posso estar em reunião com a equipa de agentes comunitários responsáveis pela população de Gestantes VIH+ a discutir a falta de medicação no centro materno, como posso estar a discutir com o Diretor de Saúde Pública do Bié no Gabinete Provincial de Saúde a importância de se reunir o Comité Técnico Provincial de Luta contra o VIH/SIDA, e a necessidade de inclusão da sociedade civil e populações-chave nos
planos de ação provinciais. Na parte da tarde, possivelmente teria reunião de coordenação por videochamada com a Coordenadora de Departamento em Portugal, para redefinir estratégias com base na análise que a técnica de monitoria e avaliação fez dos resultados do último trimestre.
Enquanto isso temos os nossos agentes comunitários a visitar pacientes VIH+ fazendo acompanhamento da adesão ao TARV e dando apoio psicossocial, outros distribuindo material de prevenção, a dar palestras em escolas sobre ISTs/VIH e com demonstração do uso correto do preservativo e partilha de experiências, ou a fazer campanhas de testagem VIH através da mobilização de líderes tradicionais nas comunidades mais vulneráveis.
APDES- Quatro anos no Bié: O nosso trabalho em números…
•Mais de 3114 testagens realizadas
•Mais de 155 240 preservativos/lubrificantes distribuídos
•192 pessoas VIH+ identificadas
•154 pessoas VIH+ referenciadas e que iniciaram TARV/PTV
•80% das pessoas que tiveram diagnóstico positivo em TARV
•4% estimativa seroprevalência: acima da taxa provincial, mas inferior a estimativas de estudos sobre Populações-chave no Bié
•32 agentes comunitários formados para intervenção VIH na comunidade
•Mais de 100 parteiras tradicionais capacitadas para cuidados maternos, VIH/PTV
•Mais de 100 estudantes de enfermagem formados para intervenção VIH com populações-chave e vulneráveis
Nos últimos 3,5 anos a APDES, juntamente com outras Organizações da Sociedade Civil (OSC), tem trabalhado para criar uma ponte entre a comunidade, o governo e as unidades de saúde,
para apoiar a melhoria da prestação de serviços. O nosso projeto seguiu uma abordagem participativa que garantiu que as estratégias de intervenção fossem desenvolvidas em conjunto com os beneficiários e stakeholders, tendo conseguido com sucesso uma relação de confiança e colaboração com parceiros e beneficiários.
Ao longo dos últimos anos mais de 10000 pessoas beneficiaram dos nossos serviços de prevenção, incluindo: 3861 Meninas e Mulheres Jovens, 978 Mulheres Trabalhadoras do Sexo e
275 Homens que Fazem Sexo com Homens, tendo executado, respectivamente, 1.580, 985 e 158 testes VIH de cada uma dessas populações. Além disso, também testamos 1.389 mulheres
grávidas, e conseguimos alcançar um mínimo de 80% de adesão ao tratamento de todos os nossos casos VIH + positivos identificados, incluindo PTV (prevenção da transmissão vertical).
O envolvimento de Jovens e Populações-Chave nestes programas comunitários no Bié enfrenta muitos desafios e, apenas através da continuidade e frequência dos contactos conseguimos garantir uma cobertura significativa de termos de prevenção VIH e outras IST (infecções sexualmente transmissíveis). Essas pessoas, acabam de começar a ter um acesso mais consciente à saúde, especificamente à SSR e precisam de apoio para estabelecer hábitos e comportamentos saudáveis.
Para além de sensibilizar e testar a população nas comunidades onde o serviço de saúde formal não consegue chegar, os agentes comunitários trabalhando para organizações como a APDES apoiam as unidades de saúde locais na melhoria de seus sistemas de gestão de dados e acompanhamento de pacientes, tal como na busca ativa na comunidade de pacientes VIH+ que abandonaram o tratamento.
A APDES tem receio que a falta de financiamento para programas dedicados ao VIH/SIDA na província do Bié, cause um retrocesso nos avanços conseguidos até hoje, e um aumento na taxa de seroprevalência; já que é uma província com uma população jovem muito sexualmente ativa (tendo a taxa de natalidade mais alta e idade média do primeiro filho mais baixa do país), e que faz fronteira com duas das três províncias com taxas de seroprevalência mais altas em Angola.
A minha experiência neste projeto, com esta equipa e todos os parceiros e beneficiários que fizeram parte da nossa luta, foi sem dúvida única e das mais belas que colecionarei ao longo da vida! Desde sempre ambicionava trabalhar na minha área de saúde pública, a nível de implementação de projeto no terreno… para poder estar próxima daqueles que os programas e diretrizes internacionais são desenhados para atingir. Apesar de ainda haver muito trabalho pela frente, acredito que os esforços da APDES na província do Bié deixaram uma marca positiva, tanto a nível de beneficiários como dos parceiros, mas sobretudo da nossa maravilhosa equipa de terreno, que espero que consiga integrar o sistema de saúde e autoridades governamentais para assim continuar a contribuir para a melhoria da saúde Angolana.
Tulitati…todos juntos, todos os dias, todos iguais, todos diferentes!