Posicionamento Público sobre o Anteprojeto de Lei de Regulamentação do Trabalho Sexual proposto pela Juventude Socialista

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Ao Secretariado Nacional da Juventude Socialista,

Em resposta ao teor do Anteprojeto de Lei de Regulamentação do Trabalho Sexual, publicado pela Juventude Socialista e aberto a consulta pública, a APDES reitera, em consonância com o posicionamento público que tem vindo a advogar ao longo de quase uma década e meia, a necessidade e a urgência de se legislar em benefício da dignificação das pessoas que fazem trabalho sexual e do reconhecimento desta atividade. Tem entendido, nesse sentido, que, de harmonia com os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, a profissionais deste setor não deve ser vedado o acesso a proteção social e a direitos laborais.

Atenta a natureza do anteprojeto, destaca-se, como medida favorável e oportuna, a revogação do n.o 1 do art.o 169o do Código Penal, norma incriminatória desprovida de dignidade penal, que apenas visa tutelar a moral social.

Entende-se, porém, que, por via de um conjunto de medidas previstas na proposta, esta 1) não atende à realidade dos contextos e das dinâmicas do trabalho sexual, 2) interdita o acesso e o exercício da atividade e 3) promove o encobrimento do setor, deixando-o à mercê de mercados clandestinos e paralelos. Antevê-se, em boa verdade, um impacto mais danoso e estigmatizante que o atual enquadramento, aproximando estas disposições, no plano dos efeitos concretos, dos modelos proibicionistas.

Nesse sentido, veja-se o seguinte:

I) Evidencia-se uma notória renitência à previsão da tutela dos direitos das pessoas que fazem trabalho sexual no contexto do direito laboral, porquanto não é acolhida a figura jurídica do contrato de trabalho por conta de outrem nesta matéria (art.o 8o). Com efeito, os regimes da prestação de serviço (sobretudo, pela forma como este se encontra previsto na proposta) e da participação societária (no caso deste último, um regime intrincado e burocrático) afiguram-se, face à realidade e dinâmicas do setor, como

alternativas insuficientes, seletivas e excludentes no que concerne ao acesso à profissão;

II)  Acresce que o limite previsto no n.o 2 do art.o 27o, no que toca à prestação do serviço no domicílio, além de excluir um volume elevado de pessoas que não dispõem de habitação própria e permanente, negligencia em absoluto determinados aspetos intrínsecos ao exercício desta profissão, como a realização de “praças”, as deslocações, a utilização comum de um mesmo imóvel (frequentemente, por motivos de segurança) ou a mera vontade de separação das esferas do trabalho e da família. Soma-se ainda o disposto no n.o 4 do art.o 27o, através do qual a faculdade para a prestação do serviço no domicílio do profissional poderia ser ilidida pelos condóminos. Por outro lado, entende-se que é completamente negligenciada a situação de quem não detém recursos para trabalhar noutros contextos que não o de rua.

III)  Encontrando-se devidamente salvaguardada a proibição, a menores de 18 anos, de entrada e permanência em estabelecimentos que se dediquem à prestação de serviços sexuais, assim como as proibições de “exibir nas montras ou em locais visíveis da via pública os profissionais do sexo ou produtos de conteúdo pornográfico, obsceno ou ofensivo da moral pública” e de utilizar insígnias do mesmo teor, questiona-se o que pretende realmente proteger uma norma que impossibilita que os locais de prestação de trabalho sexual sejam “instalados a menos de trezentos (300) metros de estabelecimentos de educação pré-escolar ou de ensino básico ou secundário, públicos ou privados, assim como de espaços de jogo e recreio de uso coletivo destinados a crianças, e de locais onde se pratique o culto de qualquer religião”. De igual modo, sendo Portugal um Estado laico, não se compreende de que forma pode a instalação de um estabelecimento de trabalho sexual a menos de 300 metros de locais de culto beliscar a liberdade religiosa das pessoas que os frequentam, sobretudo se atendermos às proibições supramencionadas de exibição de “conteúdos pornográficos, obscenos e ofensivos da moral pública”.

IV)  Preenchido o requisito constante da alínea a) do no1 do art.o 29o, e sendo o ambiente online o meio privilegiado de publicitação de serviços sexuais ou eróticos (um universo de atividades, por sua natureza, carregadas de teor explícito), não se antevê de que forma poderia a alínea b) do mesmo artigo ser contornada.

V)  No que concerne às condições previstas para a abertura e funcionamento de um estabelecimento de trabalho sexual, designadamente a necessidade de autorização e emissão de licença, ressalta, além de todo o processo burocrático que está inerente, a elevada margem de discricionariedade que impende sobre as autarquias locais nesta matéria.

Por tudo isto, e pela estreita margem de organização e de exercício da atividade que seria permitida às pessoas profissionais do sexo, considera-se esta uma proposta altamente restritiva do acesso à profissão.

Mais se acrescenta:

VI) A obrigatoriedade de celebração de um seguro de responsabilidade civil pela pessoa profissional do sexo (art.o 13o) revela-se discriminatória, estigmatizante e desproporcional, fazendo recair toda uma dimensão de perigosidade e de potencial risco sobre aquela figura. Questiona-se, desse modo, quais os possíveis danos que tal seguro visaria cobrir. Não seria o acordo escrito, previsto no n.o 2 do art.o 12o, suficiente para afastar tais responsabilidades de parte a parte?

VII) Uma vez admitido apenas o exercício da atividade por via do trabalho independente ou pela participação societária, questiona-se acerca do grau de proteção social que seria garantido a estas pessoas, por exemplo, em situação de doença (no caso de serem sócias de sociedades de trabalho sexual) e em situação de desemprego ou cessação de atividade.

VIII) A medida prevista na alínea d) do n.o 1 do art.o 31o parece excessiva, quando aplicada a estabelecimentos com lotação reduzida.

IX) Não é clara a alteração ao Código da Publicidade que o anteprojeto de lei visa proceder (alínea b) do n.o 2 do art.o 1o).

X) Para efeitos da presente discussão, é o setor em causa que versa um cariz sexual ou erótico, e não necessariamente a pessoa que nele exerce atividade. Como tal, desincentiva-se o uso, num diploma legal, da expressão “trabalhadores sexuais”, em benefício de outras como “trabalhadores do sexo”, “profissionais do sexo” ou “pessoas que fazem trabalho sexual”.

XI) A terminologia mais comumente utilizada pela comunidade científica é, atualmente, “infeções sexualmente transmissíveis”, pelo que se recomenda a sua adoção em detrimento de “doenças sexualmente transmissíveis”.

Sem outro assunto de momento e à disposição para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários, subscrevemo-nos

Com os melhores cumprimentos A Equipa PortoG (APDES)

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